Avaliação da aprendizagem; visão geral - Cipriano Carlos Luckesi

on terça-feira, 9 de março de 2010

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Avaliação da aprendizagem; visão geral

Cipriano Carlos Luckesi

Entrevista concedida ao Jornalista Paulo Camargo, São Paulo, publicado no caderno do Colégio Uirapuru,
Sorocaba, estado de São Paulo, por ocasião da Conferência: Avaliação da Aprendizagem na Escola, Colégio
Uirapuru, Sorocaba, SP, 8 de outubro de 2005.

Pergunta 1: Um ponto que se ressalta em suas palestras é a diferença entre
“examinação” e “avaliação”. Como podemos definir essa diferença. Nossas escolas mais
examinam que avaliam? Dê alguns exemplos que diferenciam o “examinar” do
“avaliar”.

Infelizmente, tenho que dizer que genericamente falando, ou seja, sem mencionar esta ou aquela escola, este ou
aquele professor, a escola hoje ainda não avalia a aprendizagem do educando, mas sim o examina, ou seja,
denominamos nossa prática de avaliação, mas, de fato, o que praticamos são exames. Historicamente, mudamos
o nome, porém não modificamos a prática. Portanto, vivenciamos alguma coisa equívoca: leva o nome, mas não
realiza a prática.
Para compreender esse ponto de vista, basta verificarmos as características básicas, de um lado, do ato de
examinar e, de outro, do ato de avaliar.
Iniciemos pelos exames escolares. Em primeiro lugar, eles operam com desempenho final. Ao processo de
exame não interessa como o respondente chegou a essa resposta, importa somente a resposta. Em conseqüência
dessa primeira característica, vem a segunda: os exames são pontuais, o que significa que não interessa o que
estava acontecendo com o educando antes da prova, nem interessa o que poderá acontecer depois. Só interessa o
aqui e agora. Tanto é assim que se um aluno, num dia de prova, após entregar a sua prova respondida ao
professor, der-se conta de que não respondeu adequadamente a questão 3, por exemplo, e solicitar ao mesmo a
possibilidade de refazê-la, nenhum dos nossos professores, hoje atuantes em nossas escolas, permitirá que isso
seja feito; mesmo que o aluno nem tenha ainda saído da sala de aulas. Os exames são cortantes, na medida em
que só vale o aqui e o agora, nem o antes nem o depois.
Em terceiro lugar, os exames são classificatórios, ou seja, eles classificam os educandos em aprovados ou
reprovados, ou coisa semelhante, estabelecendo uma escala classificatória com notas que vão de zero a dez. São
classificações definitivas sobre a vida do educando. Elas são registradas em cadernetas e documentos escolares,
“para sempre”. As médias obtidas a partir de duas ou mais notas revelam isso. Por exemplo, quando um aluno
tem um desempenho insatisfatório numa prova de uma determinada unidade de ensino e obtém uma nota 2,0
(dois), nós professores lhe aconselhamos estudar um pouco mais e submeter-se a uma nova prova. Então, o aluno
faz isso e, nesta Segunda oportunidade, obtém nota 10,0 (dez). Qual será a nota final dele? Certamente será 6,0
(seis), que é a média entre o dois inicial e o dez posterior. Mas, por que não 10,0 (dez), se foi essa a qualidade
que ele manifestou na segunda oportunidade? Antes, ele não sabia, porém, agora, sabe. Não atribuímos o dez a
ele, devido ao fato de Ter obtido dois antes. Esse dois era definitivo, de tal forma que não nos possibilitou
atribui-lhe o dez, apesar de ter manifestado essa qualidade plenamente satisfatória em sua aprendizagem.
Em conseqüência dessa terceira característica emerge a quarta. Os exames são seletivos ou excludentes. Porque
classificatórios, os exames excluem uma grande parte dos educandos. Muitos ficam de fora. A pirâmide
educacional brasileira é perversa; o aproveitamento de nossos educandos é estatisticamente muito baixa. Numa
média bem geral, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, aproveitamos, no país, em torno de 35% dos
alunos efetivamente matriculados. Evidentemente que para essa perda estão comprometidos fatores tais como a distribuição de renda no país, nossas políticas públicas e as determinações socioculturais. Ao lado desses fatores,
os exames contribuem, e em muito, para esse fenômeno de exclusão educacional que vivemos, devido eles serem
seletivos.
Contudo, ainda vale mencionar que os exames escolares (não propriamente como característica sua, mas como
um modo de ser decorrente de suas próprias características) colocam nas mãos do sistema de ensino e,
conseqüentemente, do professor um instrumento pedagógico que pode ser utilizado autoritariamente; e
historicamente assim ele tem sido usado. Os exames escolares têm servido na maior parte das vezes para
disciplinar externa e aversivamente os educandos. Têm sido utilizados largamente como um recurso de controle
disciplinar impositivo sobre os alunos
De outro lado, também são quatro as características da avaliação; são exatamente opostas às características dos
exames. Em primeiro lugar, a avaliação opera com desempenhos provisórios, na media em que ela subsidia o
processo de busca dos resultados os melhores possíveis. Para um processo avaliativo-construtivo, os
desempenhos são sempre provisórios ou processuais, como também se denomina.; cada resultado obtido serve de
suporte para uma passo mais à frente. Daí as conseqüências: avaliação é não-pontual, diagnóstica (por isso,
dinâmica) e inclusiva, por oposição às características dos exames, que são pontuais, classificatórios e seletivos.
Ou seja, à avaliação interessa o que estava acontecendo antes, o que está acontecendo agora e o que acontecerá
depois com o educando, na medida em que a avaliação da aprendizagem está a serviço de um projeto pedagógico
construtivo, que olha para o ser humano como um ser em desenvolvimento, em construção permanente. Para um
verdadeiro processo de avaliação, não interessa a aprovação ou reprovação de um educando, mas sim sua
aprendizagem e, conseqüentemente, o seu crescimento; daí ela ser diagnóstica, permitindo a tomada de decisões
para a melhoria; e, conseqüentemente, ser inclusiva, enquanto não descarta, não exclui, mas sim convida para a
melhoria.
Do ponto de vista das relações pedagógicas, diversamente dos exames, a avaliação exige uma postura
democrática do sistema de ensino e do professor, ou seja, para proceder a melhoria do ensino-aprendizagem, não
basta avaliar somente o desempenho do aluno, mas toda a atuação do sistema. A aprendizagem melhorará se o
sistema melhorar. Por sistema estou entendendo todos os condicionantes do ensino-aprendizagem; porém
minimamente, o professor, sua aluna, o material didático utilizado, a sala de aula. A responsabilidade por
desempenhos inadequados não depende só do aluno nem só do professor, porém minimamente, da escola e
abrangentemente, do sistema de ensino, como um todo.
Tomando esses dois blocos de características, facilmente, percebemos que hoje, na escola, no que se refere ao
acompanhamento da aprendizagem dos educandos, agimos mais de forma pontual, a partir de desempenho final,
de modo classificatório, seletivo e autoritário do que não-pontual, a partir de desempenho provisório,
diagnóstica, inclusiva e democraticamente, o que quer dizer que mais examinamos do que avaliamos.

Pergunta 2: De quem herdamos a cultura do examinar? Porque demoramos tanto a
questionar essas práticas?

Temos três pontos a sinalizar a respeito de nossas heranças examinatórias e de nossas resistências à mudança
das práticas examinatórias para as práticas avaliativas. Irei da mais próxima para as mais distantes.
A herança mais próxima, que nos engessa para a mudança, é a psicológica. Todos nós que passamos pela escola,
somos herdeiros de uma longa história de abusos dos exames. Fomos examinados à exaustão. Mais que isso,
fomos ameaçados à exaustão com provas: “Já estudou para as provas?”; “Cuidado, as provas são pra valer!”
“Prestem atenção e tomem notas, o conteúdo de hoje é conteúdo de prova”; e por aí vai. Vivemos isso
repetidamente e aprendemos esse modo de ser, inconscientemente. Agora, professores e professoras, replicamos
esse modo de ser. Nem mesmo nos perguntamos se é adequado ou não, simplesmente reproduzimo-lo. Havendo necessidade de ter um controle dos educandos em sala de aula, a velha prova vem a frente como recurso de
controle disciplinar: “Cuidado, vocês estão brincando muito; o dia da prova vem aí; vocês vão ver!”.
Assim sendo, herdamos e replicamos inconscientemente o modo examinatório de agir na prática escolar. Mesmo
tendo mudado o nome, continuamos a agir dessa forma. Dizemos que nossa prática é de avaliação, mas, de fato,
praticamos exames. Nossa psique não tem referências para o verdadeiro conceito de avaliação, mas tem para o
conceito de exame.
A herança um pouco mais abrangente é aquela que está vinculada à história geral da educação. Somos herdeiros
diretos da educação sistematizada nos séculos XVI e XVII, momento da emergência e sedimentação da
sociedade moderna. As pedagogias jesuítica e comeniana expressam, respectivamente, as versões católica e
protestante desse modelo de pedagogia. Em 1599, os jesuítas publicam a Ratio Studiorum, e em 1632, John
Amós Comênio publica a Didática Magna. Textos que definem o modo de examinar que ainda hoje,
predominantemente, utilizamos na escola. Ambas essas propostas pedagógicas, como bem cabia fazer naquele
momento, configuraram os exames como um modo adequado e satisfatório, pedagógica e disciplinarmente, de
controlar a aprendizagem dos educandos. De certa forma, estamos usando os exames na escola, ainda hoje,
conforme essas prescrições de finais do século XVI e início do XVII.
A terceira herança é a histórico-social. É a herança da sociedade burguesa. Os exames por serem seletivos,
reproduzem o modelo burguês de sociedade que é seletivo. Basta ver que a sociedade burguesa não é nada
inclusiva; ao contrário, o seu bastião é o da liberdade e igualdade de todos perante a lei, mas não na prática
social. Liberdade e igualdade perante a lei significa, praticamente, a estruturação da sociedade entre os poucos
que tem muito e os muitos que nada tem. Ou seja, é próprio da sociedade burguesa a seletividade e a
marginalização. Os exames selecionam e marginalizam e, por isso, reproduzem essa ideologia.
Daí, então, ser difícil mudar nossos hábitos de examinar para avaliar. Nossas heranças são poderosas e
consistentes.

Pergunta 3: Você acha saudável a preocupação constante com esse tema? Nossos
professores e instituições escolares estão realmente empenhados em encontrar novas
formas de avaliação, ou estamos apenas melhorando os critérios de examinação?

Penso que muitos professores querem mudar, que a grande maioria gostaria de viver mais satisfeita em sua
atividade profissional. Claro que aí estão presentes as necessidades das condições básicas de trabalho, como
melhores salários, por exemplo. Tenho a maior admiração pelos educadores brasileiros. Fazemos muito diante
das condições precárias que temos no sistema de ensino; e ainda, aqui e acolá, ouvimos autoridades políticas e
educacionais declarar que somos os responsáveis pelo fracasso escolar no país.
Ao contrário, frente às condições materiais que temos, somos responsáveis pelo pouco de sucesso que nosso
sistema educacional tem. Assim sendo, considero que os professores desejam aprender a fazer de outra forma. E,
para isso, são necessárias duas coisas: formação e condições materiais de ensino. Formação, na medida do
possível, os professores tem buscado. Sou testemunha disso nos múltiplos seminários e cursos que tenho
oferecido em diversos cantos do país, seja em cidades grandes ou pequenas. Os professores estão sedentos de
saber. É preciso oferecer-lhes o melhor que temos.
Por outro lado, para uma verdadeira prática pedagógica e, junto com ela, uma adequada prática de avaliação, são
necessárias condições materiais mínimas de trabalho, o que significa melhores salários --- os professores e
professoras são pessoas humanas, necessitam de se alimentar, morar, vestir, ter saúde e lazer --- assim como
número adequado de alunos em sala de aula, material didático satisfatório, espaço físico minimamente adequado.
Deste modo, todos nós queremos mudar essa prática e ter uma educação de boa qualidade, que satisfaça tanto
nossos alunos e o sistema social como também nos satisfaça como profissionais. O que não tenho certeza é se o
modelo social no qual nós vivemos desejaria mesmo uma educação de boa qualidade para todos, ou seja, acesso
universal e qualidade de ensino para todos. São muitas as dúvidas sobre os discursos, que, usualmente, não se
traduzem em práticas.

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Este material foi obtido através do website de Cipriano Carlos Luckesi Website:www.luckesi.com.br / e-mail:contato@luckesi.com.br

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